Um teatro


Um teatro
Num desses dias invernosos, enrolada na minha manta protetora, dei por mim a observar as chamas do fogo que ardia na lareira, aquecendo a sala de jantar contra um arrefecimento quase inevitável.
Pareceu-me ridícula a dança incessante produzida pelos laranjas e amarelos brotando de futuras cinzas. Porquê essa necessidade de adiar o inevitável? Deixai as brasas apagarem-se já e o ar gélido propagar-se e invadir cada canto da casa, desbravando terreno de atmosfera e carne, até tocar nos ossos dos presentes, tal como fizera com o dono da cadeira vazia ao meu lado.
Os familiares alheados do sucedido prosseguiam as deixas obrigatórias nos momentos de convívio, cada vez mais escassos (felizmente para eles!). Quer quisessem quer não, estariam ali retidos nas próximas horas consequência da tempestade que fustigava a vila. Contudo, nenhum deles aparentava sentir o incomodo. Pelo contrário! Os comes e bebes, a conversa fiada que era facilitada pela alcoolemia e a vontade de fazer alguma piada sem graça, mas que faz os restantes soltarem gargalhadas por simpatia ou pena, disfarçavam bem os problemas que durante os restantes dia do ano reinavam pelos temas de conversa. Que teatro...
Entretanto, desenrolava-se a evasão na minha mente desdenhosa. Escapava com vista a tentar elaborar um significado para tudo o que me rodeava, especialmente para essa lenha que insistia em queimar-se.
Os meus dedos estavam quentes da caneca de chá que seguravam, chá esse que não surtia o efeito pretendido. Não me sentia calma, pelo contrário encontrava-me agitada, agitando a colher para misturar o doce e desejado mel na bebida inútil.
Nada daquilo tinha um propósito, quase me convencia-me. Ou estaria ele tão entranhado nas circunstâncias vividas que as minhas tentativas de atingir tal nível de profundidade eram em vão? Ambas opções me inquietavam. Inquietavam-me mais do que o gelo no exterior que me impedia de chegar a algum lado, tivesse eu algum sentido para seguir.

Beatriz Santos
Novembro 2018

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